caminhos.

22/02/2017

Olho para os morros no horizonte, penso quanto mais até chegar, quanto mais sob céu, sol e luar, devo caminhar? Até o horizonte desta vida?


platônico .

13/07/2015

Colhe-se bons frutos ao não causar os maus? Ou é justo aquele que ainda causa um mal?
Deve-se lavrar democracia na medida em que se cultiva justiça.


opaco .

13/07/2015

sem causa, o simulacro incorre apenas em efeitos.


os anos e as cidades.

10/03/2014

Vi o dia nascendo e subindo em chamas pelo rio impuro da cidade, uma cobra sorrateira serpenteia, os acúmulos de restos espalhados na superfície da beleza morta, que era selvagem, agora trancafiada no calabouço com argamassa. Os raios do dia trouxeram os jornais, dentro de cada um, uma notícia inexata das palavras que rondam as calçadas e os porões dos prostíbulos que todo patife anseia conhecer. Nos trens e metrôs, tantas vidas se entrelaçam, só aparentemente, num instante moroso de calor inconveniente, num aperto inconsolado no caminho entre-estações; nas chegadas, multidões escorregam até as escadas pelas plataformas úmidas, como ratos que patinham pelas calhas, um bolo de roupas e carne, um odor aqui, outro ali, rostos tão lânguidos, tão indecifráveis.
O sol escorre e transcorre pela vísceras dos edifícios supervalorizados, em locais tão caros de se viver, que se escolhe morar ou ter café-da-manhã. Esta era a cidade amada, que agora jorra teores pérfidos e alusões de grandezas desencontradas, que nos faz prisioneiros de uma guerra sacra em nome dos valores outorgados por mãos polutas, os abutres em arranha-céus e seu grande poder contra a auto-estima do homem comum, come-lhes as vontades lassas tal como fígados abertos dos animais da estrada. E de tantas aglomerações, as filas por de trás dos vidros fundidos dos bancos e lanchonetes, a vida é uma espera, uma espera extenuante entre sábados e feriados. A manhã vem aí, tingindo o concreto rachado ornado de bitucas e das sobras do banquete noturno, nascendo novamente, porém com ela nada de novo; a capital do esquecimento olvidou a si mesma e o que sobrou não bastou – não bastou para saciar a fome das bocas que expelem seu nome cinzento e dissaboroso, o paradoxo que colapsa sobre a própria cauda – quimera, teu nome é cidade!


corda .

26/04/2013

passo em falso, a cada passo – cadafalso.


quantímetro .

16/10/2012

é grande de lá para cá o tempo que passa e o  futuro que se anuncia. Entre o fogo e o calor, essa distância próxima, mas que nunca cessa. Os versos são escritos e as palavras pronunciadas em cochichos para amigos em qualquer terra, a qualquer instante. Uma balada jaz no livro cerrado nunca cantada, virou história contada. Pouco foi escrito, muito há de ser. Palavra sem recalque que se derrama na brochura escancarada: há de vir. Segredo contado a luz baixa no quarto de verão: há de vir. Declaração deslavada em plena praça num dia útil abarrotado: já está feita. O que é falado, o que é escrito, o que se gesticula e o que se suspira, tome nota.


metalinguagem .

21/06/2012
Dias a fio, nada à mente. Como se esperar por um feixe de nova inspiração? É tudo sem alocação, os pensamentos maream indefinidamente, as ideias não crescem longe de qualquer sol. O que tento gritar, apaga a voz rouca, e vejo como tudo está perdido, pelo menos por enquanto. Ao escrever, saem-me os borrões, palavra grotesca, sem afago, sem ódio, é somente banalidade mal escrita. Não é falta do que ter o que dizer, pois isso sei que há muito, vejo que é o não saber como escrever, melhores modos de trazer a língua ao papel, cuspir as linhas em sua ordem correta de forma que soem como a frase soa no crânio – a sentença perfeita, não a disforme que consigo escrever. E quantos não são estes miseráveis que carregam um livro no peito, e que não podem ditá-lo às mãos? Isso é também o que nos faz desfeitos.

angu .

19/06/2012

tentei ver, vi que não há poeta da cidade grande, coração de lápide, uma mente que só pensa poluição. Saboreei – a comida papel destemperada de carinho. Achei que ouvi – uma sinfonia dos geradores na tarde sem luz no fim da rua. Cheirei o odor – uma angústia dos ralos na calçada. Tateei as paredes, as rotas de fuga obstruídas, barreiras de esquina em esquina. Enfim, quis parar para pensar, parei de pensar.


oito .

10/06/2012

unir num laço o nó do abraço que não se compraz no enlace fugaz – no olhar, tudo se explica, na densidade de um instante enclausurado em palavras que só se entregam a quem o pode entender.


reminiscência .

05/06/2012

quando você parte, é uma morte pequena que se anuncia e deita-se sobre mim, a calmaria da sua ausência impregnada de saudade voa pelas ventanas da janela aberta num afastamento agudo. ante o sono, na lembrança da sua presença, vem um barco pela maré alta me salvar destas águas escuras e me levar de volta em seu estreito abraço à salvação.